Fustel de Coulanges ou Friedrich Engels?
“A cidade antiga” ou “A origem da família, da propriedade privada e do
Estado”? Sigmund Freud ou Edward Westermarck? Você pode escolher, caro
leitor, o que lhe parecer mais convincente. Eu já escolhi.
Cada dia que passa, estou mais
convencido de que as ideologias têm prazo de validade. Não me assustam
essas tendências do politicamente correto em matéria sexual ou
quejandos, nem essa histeria na defesa do feminismo. Claro, elas, essas
tendências, causam um estrago incomensurável na sociedade; o efeito é o
de uma hecatombe, de uma bomba nuclear. Fica um gosto bem amargo na
boca. Mas passa. Vai passar.
Há alguns dias eu dizia que certas teses
jurídicas têm o mesmo prazo de validade de um iogurte. O iogurte é
conservado artificialmente. Em pouco tempo azeda. E, ainda assim,
precisa ser conservado em um ambiente artificial para manter-se. É como o
feminismo. Precisa do ambiente refrigerado e artificial da ideologia
para manter-se. Precisa daquele quadradinho, daquele retângulo resfriado
chamado cosmovisão, peculiar visão de mundo. A ideologia é do tamanho
de uma geladeira.
Não sei se todos sabem, mas o feminismo
está diretamente ligado ao marxismo cultural, a uma espécie de
interpretação da história segundo a qual o casamento – vejam lá o que
diz Engels no seu “A origem da família” – teria sido uma invenção cruel
dos machos para expropriar das mulheres a mais-valia, o fruto do seu
trabalho. Nesse sentido, o feminismo seria o antídoto para essa situação
perversa.
O marxismo cultural não vê distinções
reais entre os sexos. Por quê? Porque, como toda ideologia, é furado, é
desmentido pela realidade. Para sobreviverem, as ideologias têm de
ignorar a realidade. Têm de fingir que ela não existe. Têm de fugir do
teste, do confronto com o mundo real. Para acreditar numa coisas dessas,
o homem, o ser humano, tem de descrer de seus olhos e de seus ouvidos.
Mas há quem o faça. Dostoiévski, no desconcertante “Memórias do
subsolo”, diz que o homem é de tal modo afeiçoado à dedução abstrata que
chega a deturpar a verdade, a descrer de seus olhos e de seus ouvidos
apenas para sustentar a sua lógica. Há pensadores que querem convencer
que têm razão, mesmo quando estão errados.
“A cidade antiga”, de Fustel de
Coulanges, serve como uma refutação cabal das teses marxistas. Coulanges
demonstra como o casamento e a família antigos formaram-se ao redor da
religião. E não se trata da religião cristã. Trata-se da religião
antiga. A mulher da antiguidade, quando se casava, passava a cultuar o
deus do marido. Mudava de religião. Isso nada tinha a ver com a
expropriação do trabalho da mulher. O homem antigo não era um
capitalista ateu ou agnóstico. Era essencialmente religioso.
Desculpem-me o mau hábito. Gosto um
pouco de expressões fortes. O mundo moderno está acostumado a cuspir no
senso comum. Alguns inteligentinhos querem convencer-nos de um monte de
ideias de plástico. Chesterton, ao falar de Nietzsche, no “Ortodoxia”,
diz que quem não amolece o coração acaba amolecendo o cérebro. Há um
tipo de conhecimento, de dados, que nos são entregues de presente pela
realidade. São dons gratuitos do mundo real. Não precisam ser
explicados. Qualquer homem simples do campo, com a luz da sua razão
natural, com o uso do senso comum, sabe que homem e mulher são
diferentes. Não têm eles o mesmo vigor físico, não têm a mesma
disposição psicológica, não têm a mesma configuração anatômica. Têm
diferentes e complementares órgãos sexuais.
Mas a ideologia politicamente correta,
construída a partir de uma junção do marxismo com as teorias
psicológicas de Freud, quer convencer-nos do contrário. Os papéis dos
sexos não seriam naturais, mas socialmente construídos. Seriam moldados
por uma estrutura opressora, de dominação, de poder. É o que diz Herbert
Marcuse, autor da frase: “Faça amor, não faça guerra”.
Ora, a mulher não deve pretender ser um
outro homem. Ela nunca o conseguirá. Nunca se realizará com isso. A
plena realização e a felicidade só são alcançadas quando se busca e se
vive a verdade sobre si mesmo. Isso passa pela correta compreensão da
própria natureza, da própria sexualidade. Isso exige o uso da razão
natural que eu gosto de chamar simplesmente de senso comum, algo que tem
sido tão esvaziado, tão difamado e tão pouco compreendido.
Caso o leitor deseje informar-se mais
sobre esse assunto, remeto-o para o meu artigo: “A moral burguesa como
fonte dos ‘direitos sexuais’ e do novo conceito de ‘famílias’”,
publicado no site jurídico Migalhas: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI168754,61044-A+moral+burguesa+como+fonte+dos+direitos+sexuais+e+do+novo+conceito .
Texto de Paul Medeiros Krause, Procurador do Banco Central em Belo Horizonte.
Fonte: Revista Vila Nova